3.10.11

Em resenha inédita, Ângelo Oswaldo fala sobre "Modelos vivos"

A poesia de Ricardo Aleixo

Ângelo Oswaldo*

Em “Modelos Vivos”, Ricardo Aleixo reúne um conjunto significativo de poemas, depois de largo momento voltado para outras formas de expressão poética, tais como performances, vídeos e canções. É um belo livro. Oferece destacada programação visual dirigida pelo autor, sendo enriquecido pela diversidade da produção que enfeixa.

Com a publicação, o poeta registra os seus cinquent’anos, não em celebração jubilar, mas para reiterar o compromisso do primeiro olhar, o desejo de querer ver, por sobre a visão deficiente, algo que valha a pena, para além da falta de perspectivas que percebe como tônica do nosso tempo.

Ricardo Aleixo vem de 1960 e é poeta que sintetiza, de modo original e referente, as inquietações, as rupturas e as angústias que convulsionaram o mundo neste meio século de transformações. Sua obra atinge pontos sempre mais altos. Se a visão está afetada, como a de Camões & Bob Creeley & Joan Brossa, ele enxerga aquilo que só o poeta vê e a poesia alcança, por cima do glaucomatoso de Glauco & Borges, numa respiração. São poderosas as suas antenas, e é com elas que se faz o poeta, segundo Ezra Pound. Como o anjo de um poema do livro, o poeta aprende a se ver pelo avesso.

As palavras “são peles de silêncios habitáveis”. Ricardo Aleixo as veste, no seu “poemanto”, qual um parangolé de Hélio Oiticica (obra para vestir) ou como passos de Merce Cunningham (obra para dançar) ou o rito dos Eguns (obra para reviver). A palavra é viva e é vivida pelo poeta, que a escreve-inscreve com seu corpo e com ela o cobre, volatiza o andar, sonoriza o espaço, toca o tempo. O “poemanto” é imantação da poesia no corpo do poeta.

Nessa corpografia, ao pé da letra de Artur Bispo do Rosário, “andando em círculos” (porque “estamos mesmo é andando em círculos”), o poeta usa o seu manto como o toureiro a capa, em passos encadeados como numa fuga, ou o agita num batuque, revira-o em volteio de volutas em altares barrocos, ginga-o na reviravolta da capoeira ou mergulha na constelação de Mallarmé, soltando as palavras no espaço para reinventar o poema ao acaso de cada lance de corpo.

Inovadora e inventiva, instigante e incisiva, a poesia de Ricardo Aleixo apresenta uma linguagem própria, que não se restringe ou se reduz. É sempre múltipla e entregue a pesquisas sobre novas possibilidades. No final do poema que dá o título do livro, está a questão: “...Pergunto-me, como se perguntava Heinrich/ Kleist sobre os manipuladores de marionetes que tanto// encantavam o amigo a quem devia o despertar do interesse/ pelos mistérios daquela arte de rua, se os passantes-// pagantes conhecem os mecanismos que movem os modelos/ vivos; se possuem pelo menos uma ideia do belo na dança”. Têm, da mesma forma, os leitores que passam pelas livrarias alguma ideia do valor da obra de Ricardo Aleixo? É preciso urgência no conhecimento de um modelo vivo do poeta do nosso tempo.

* Crítico de arte, escritor e prefeito de Ouro Preto

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