11.2.11

A cidade como texto

Para dizer o mínimo da escritora, artista visual, historiadora e arquiteta Beatriz de Almeida Magalhães, considero um luxo ser seu conterrâneo e contemporâneo. Para dizer o que não pode ser calado, me parece um equívoco sem tamanho o fato de o trabalho de Beatriz não dispor de maior visibilidade, nesta Belo Horizonte em que a, digamos assim, cena intelectual e artística é dominada por práticas cartoriais que só confirmam nossa condição provinciana. A boa notícia, para os que conhecem e admiram o trabalho de Beatriz Magalhães, e também para os que querem entrar em contato com uma cabeça tão aberta quanto generosa, propensa às trocas dialógicas, é que ela ministrará duas disciplinas do curso de Pós-graduação lato sensu em Estética contemporânea (informações aqui), sobre as quais conversamos por email.

Beatriz, fale, em linhas gerais, por favor, sobre as disciplinas que você oferecerá, no próximo semestre, no curso de Pós-graduação do IEC-PUC Minas.

Em uma das disciplinas, "Textualidade e Espacialidade", Belo Horizonte será analisada em sua concepção absolutamente interior ao Estado, ao fim da qual foi dada à luz uma articulação espacial idiossincrática, uma linguagem em alvenaria, materialização de uma linguagem verbal, ideológica, perfeitamente legível uma na outra. Já na disciplina "Visualidade e Textualidade", será examinada a presença de Belo Horizonte tanto na literatura que reage a essa intervenção estatal no espaço, inédita até então no Brasil, decorrente da instauração da República, como também na que responde em momentos posteriores a outras investidas estatais. Em ordem cronológica: a fantasmagoria anarquista de Avelino Fóscolo em A Capital; ironias na composição gráfica de República Decroly, de Moacir Andrade; “Morte em Veneza” do coronelismo às margens do Arrudas em Totônio Pacheco, de João Alphonsus; a invisível Belo Horizonte na errância de O amanuense Belmiro, de Cyro dos Anjos; a poética de Affonso Ávila em Código de Minas à luz da poética extracódigo do errante Geraldo Alves: livro e tapume, metáfora e curto circuito.

Você fala em “produção literária e artística errante”. Quem são os autores dessa produção? Como defini-la?

Essa produção envolve linguagens que vêm se contrapor à pronunciada pela cidade. Seus autores, melhor dizendo, criadores, pois autoria é formalidade própria do instituído, do constituído, são absolutamente exteriores ao Estado. E no entanto sabem perfeitamente com quem estão falando: com o Estado-Autor e com seu parceiro, o Mercado-Autor. As obras que deixam são provas cabais da direção de seus monólogos a esses surdos e absurdos. Não sei se é possível definir a produção literária e artística errante. Para começar, é da maior valia o instrumental oferecido em Mil Platôs (afinal, estamos em um deles), em específico as distinções que Deleuze e Guattari fazem, a partir da teoria musical, entre o liso e o estriado, entre o nomos e o logos, em uma redução, entre o natural e o racional.

O tema da cidade – com destaque para a cidade de Belo Horizonte – é central tanto na sua pesquisa teórica quanto na sua produção literária e artística. Como você analisa o sensível aumento do interesse pelas questões urbanas na produção contemporânea? A que se deve isso?

É uma questão complexa, para a qual também não tenho resposta. Creio em Milton Santos, que disse: “O corpo e o território são os irredutíveis ao universal”. Estamos todos nos aferrando a eles. Creio também em Stanley Kubrick, que arriscou: “Só há um jeito de a gente resolver o enigma: é não o resolvendo e criando sobre ele hipóteses que só a arte esclarece”. E pratico Rubem Valentim: “Fora do fazer não há salvação”.

Fotos de Beatriz Magalhães

Um comentário:

Cândido disse...

Ótima pedida, Ricardo. e tome abraço, caro.