18.1.09

Deu no ESTADO DE MINAS de hoje

MULTIMíDIA
Arte feita de novas ideias

Janaina Cunha Melo

Artistas defendem modelos inovadores de experimentação estética, propondo a fusão de teatro, dança, música e literatura para produzir objetos que ampliem a sensibilidade do público







O perfomer Tatu Guerra explora o tema do confinamento da sociedade contemporânea em seu novo trabalho


A performance multimídia está em franca expansão. Arte contemporânea que promove encontros de linguagens – como dança, teatro, poesia, música e artes plásticas, entre outras categorias artísticas –, ela ainda não assumiu contornos de produção para atrair público numeroso, mas também não é esse seu objetivo, pelo menos na concepção dos novos artistas que investem na pesquisa desse cruzamento de ideias. Para eles, essencial é a possibilidade de investigar novas formas de expressão, que não encontram barreiras nem estabelecem limites entre os gêneros. Como aliado, apontam o uso de aparatos tecnológicos que favorecem a experimentação.

Performer que participa do festival Verão Arte Contemporânea com a vídeoinstalação Série: Objetos vídeos, desenvolvida em parceria com Ronaldo Macedo Brandão, Tatu Guerra conta que seu primeiro contato com a abordagem multimídia foi no grupo Black Maria, onde atuava como percussionista, com Ricardo Aleixo e Gil Amâncio. Graduou-se em Belas artes, estudou animação, fez oficina de VJ e não parou mais de cruzar referências estéticas. Chico de Paula, DJ Rato e outros artistas também se aproximaram, para realização de novos projetos.

No festival, ele e Brandão exploram a idéia de confinamento nos centros urbanos, por meio de dois objetos – ambos associam realidade e absurdo. O primeiro deles – um poço construído com tijolos – esconde uma pessoa, que pode ser vista por cima, pelo público. O outro objeto prende um rosto numa pilastra, em sistema de projeção de imagem que conta com dois monitores. Nos dois trabalhos, a sensação de clausura, própria da atualidade. Para Tatu, as obras não são uma provocação. “Não queremos questionar o comportamento. Apenas
 congelamos uma situação. Gosto dessa questão estética, de explorar a ideia de confinamento que está em todos os lados”, comenta.

ESPAÇOS RESTRITOS Com formação de ator-dançarino, Benjamin Abras conta com elementos da cultura popular como base de experimentação. Em processo de construção de novo espetáculo, ele adianta que capoeira, cantos ritualísticos, dança contemporânea e teatro serão reunidos pelo projeto. Ele também associa objetos na performance. “Com as artes plásticas é possível criar imagens dinâmicas, como extensões do corpo. São referências que aguçam a memória e o instinto de quem realiza e de quem assiste ao espetáculo”, comenta. Cantos de trabalho do candomblé, orações e ritos afrobrasileiros ganham novo significado com a abordagem do artista. A música também desempenha papel importante do desenvolvimento da cena. Ainda sem título, o espetáculo tem estreia prevista para o segundo semestre, na Igreja de São Jorge, no Centro 
de Belo Horizonte. O espaço físico ajuda o performer na associação de ideias. “Cada lugar tem uma história, e isso também precisa ser considerado como informação para a peça”, explica.

Há mais de 10 anos envolvido com esse tipo de performance, ele conta que seus trabalhos são idealizados propositadamente para público pequeno, em espaços restritos. Para Benjamin, o número menor de pessoas possibilita melhor absorção do conteúdo. “Busco espaços alternativos, para que todo mundo consiga perceber essa relação da palavra com o corpo e as relações geradas a partir disso. Para ele, a arte não precisa necessariamente agradar, mas tem que provocar plateias e desconstruir conceitos.

TATU GUERRA E RONALDO MACEDO –SÉRIE: OBJETOS VÍDEOS
Hall do Teatro Francisco Nunes,
Av. Afonso Pena, s/nº, Centro, Parque Municipal. Diariamente, 20h.

MULTIMíDIA
Intermídia é o caminho








Para Ricardo Aleixo, os espaços culturais ainda se fecham para as performances: "É questão de mentalidade"

Artista e pesquisador apontado como um dos precursores do gênero no estado, o poeta Ricardo Aleixo diferencia a performance multimídia – que reúne som, palavra, vídeo e corpo sem que um elemento “contamine” o outro – da intermídia, que propõe junção qualitativa das artes, com fronteiras cada vez menos rígidas até a radicalização da ideia de não-distinção das categorias artísticas. “Na multimídia, elas são preservadas, enquanto na intermídia tudo muda numa rapidez absurda”, explica. A conceituação, ele atribui ao “esforço teórico” de Júlio Plaza, artista intermídia espanhol que se radicou no Brasil e morreu em São Paulo, em 2003.

O interesse de Aleixo sobre a tema ocorreu nos anos 1980, influenciado por outra referência fundamental no gênero, o músico John Cage. “Sou mais um que se alimenta do que ele trouxe em termos de desestabilização das fronteiras”. Para o poeta, essa é uma proposta que se relaciona com o fim da diferenciação entre arte e vida, portanto, a pesquisa intermídia tem sentido essencialmente político na investigação do artista. No fim do ano passado, ele participou da Mostra Contemporânea de Arte Mineira em São Paulo, com a performance Barrocodelia, com direção e concepção compartilhada com Chico de Paula. Entre os convidados também participaram Gil Amâncio, Rui Moreira, Benjamin Abras, DJ Rato e Jorge dos Anjos. “Mais que amigos, eles são artistas habilitados para trabalhar nessa dimensão da pluralidade. A trajetória deles aponta para uma arte feita em Belo Horizonte, com rica história na prática intermídia”, elogia.

Para Ricardo Aleixo, é lamentável a falta de espaços na cidade que reconheçam a importância da performance como linguagem e valorizem a pesquisa realizada pelos artistas. “Podem dizer que são altos os custos de montagem, por causa da utilização de equipamentos técnicos e tecnológicos. Mas isso responde apenas a um dos problemas. Em Belo Horizonte, a questão é de mentalidade. A cultura ainda ainda está com os olhos voltados para o passado”, avalia.

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