14.3.08

Dia da Poesia

Glauber Rocha, cinepoeta (para) sempre em transe, nasceu no dia 14 de março, disso sabeis. Como outro baiano, Castro Alves, só que 102 anos – em 1939 – depois do autor daquela delícia de estrofe que abre o poema "Adormecida" ("Uma noite, eu me lembro... Ela dormia/ Numa rede encostada molemente.../ Quase aberto o roupão... solto o cabelo/ E o pé descalço do tapete rente"). Glauber dizia saber que morreria aos 44 anos, talqualmente o seu famoso conterrâneo. E foi assim que se deu, por obra e graça do destino. O 14 de março, disso também sabeis, é dedicado à memória de Castro Alves, razão pela qual é chamado de Dia Nacional da Poesia. Por tudo isso, disponibilizo aqui, para os que ainda não o conhecem, o belo estranho Di, homenagem de Glauber Rocha a Emiliano Di Cavalcanti realizado, de improviso (com sobras de filmes), no velório do pintor. Para Glauber, seu elogio fílmico ao amigo recém-morto é um "ato de humor modernista-surrealista entre artistas renascentes". É isso. Isso-se.



Aproveito e reproduzo o pequeno texto que postei no endereço antigo desta posse, no dia 28/7/04:

Uma das maiores alegrias estéticas que tive neste 2004 previsível me foi proporcionada pelo produtor cultural João Rocha. Sobrinho do cineasta Glauber Rocha, João teve a arquibrilhante idéia de hospedar em um provedor da terra da família Bush, disponibilizando-o para download, o “proibidão” Di Cavalcanti Di Glauber, que também atende pelo título Ninguém assistiu ao formidável enterro de sua última quimera; somente a ingratidão, essa pantera, foi sua companheira inseparável.

Com esse estratagema, a pequena obra-prima (18 minutos), filmada em 1976 – durante o velório e o enterro do pintor modernista Emiliano Di Cavalcanti – e finalizada no ano seguinte, pode, finalmente, sair da triste condição de lenda a que o obrigou, desde 1979, uma estúpida interdição judicial, resultante do mandado de segurança impetrado pela filha do pintor, Elizabeth Di Cavalcanti, que alegou “danos morais”. Tamanha é a força poética desse filme de "não-ficção" que Glauber faturou, com ele, o Prêmio Especial do Júri do Festival de Cannes, em 1977.

E olhe que o negócio é lindo, só faz reforçar a importância de Di Cavalcanti na cultura brasileira. O problema é a morte, claro que é: pranteá-la em prosa e verso, ou mesmo em película, pode, não é? O que não pode é colocá-la em seu devido lugar, como fez Glauber, em seu filme mais negro (negro não de noir, mas de crioulo, negromestiço, farrista, folgazão, “sambístico”, como diria o pessoal da antiga, entendeu?). Estão lá Paulinho da Viola e Jorge Ben, as rapidíssimas aparições do São Jorge/Ogum de olhar sacana Antonio Pitanga e a voz do próprio Glauber, delirante e acelerada como a de um locutor de futebol. Glauber dixit: “Celebrando Di recupero o seu cadáver, e o filme, que não é didático, contribui para perpetuar a mensagem do Grande Pintor e do Grande Pajé Tupan Ará, Umbabarauma, Ponta-de-Lança Africano, Glória da Raça Brazyleira!”

Um comentário:

Cândido disse...

Show, Ricardo. Show!